Entrevista com Doracy Cunha Ramos
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Por Marli Nascimento

 

D-DORACY“…Eu sempre fui assim, acho que fui uma guerreira pois quando tinha um insucesso na minha vida eu enfrentava de cabeça erguida….”

 

Esta, também, é muito mais do que uma entrevista, é uma homenagem a uma grande guerreira e uma grande profissional. A entrevistada dessa edição do Boletim do CRC/MS é Doracy Cunha Ramos. Uma vida inteira dedicada a Contabilidade Pública e ao trabalho em benefício da Profissão Contábil.

Técnica em Contabilidade, com Especialização em Administração Pública e Bacharel em Direito, perto de completar 87 anos de vida, D. Doracy tem orgulho em dizer que gosta da Contabilidade em Geral, mas que sua grande paixão é a Contabilidade Pública. Foram 58 anos de trabalho na área contábil onde começou com 18 anos.

Foi a 1ª Diretora Geral de Contabilidade do Estado de Mato Grosso do Sul; Secretária de Finanças do Município de Campo Grande por três gestões (1967 a 1971, 1973 a 1977 e 1977 a 1979); Funcionária Pública Municipal efetiva por 32 anos (1947 a 1979); Funcionária Pública Estadual Comissionada por 26 anos (1979 a 1994) e foi Professora Universitária Titular da Disciplina de Contabilidade Pública por 13 anos (1973 a 1986).

Dentro do Sistema CFC/CRCs foi Conselheira Efetiva do CRC/MS – Conselho Regional de Contabilidade do Estado de Mato Grosso do Sul por 15 anos (1986 a 2001), Conselheira Efetiva do CFC – Conselho Federal de Contabilidade, representando o Estado de Mato Grosso do Sul (2006 a 2008) e Membro da Comissão do Projeto da Mulher Contabilista do CFC/Brasília, representando a Região Norte/Centro Oeste (2008/2009). E de 2006 até hoje é Representante do CFC – Conselho Federal de Contabilidade na Comissão Técnica do “SIOPS – Sistema de Informações sobre Orçamento Público em Saúde”, no Ministério da Saúde, em Brasília/DF.

Natural de Aquidauana, costuma dizer que “…sou Aquidauanense de fato mas sou Campo-Grandense de coração…”. É Viúva de Geraldo Agostinho Ramos, com quem foi casada por 17 anos; mãe de 01 filho, tem 03 netos e 04 bisnetos. Leia a entrevista e conheça um pouco da vida dessa grande mulher, dessa excepcional Profissional da Contabilidade.

P. D. Doracy, a senhora trabalhou na área contábil por 58 anos, quais as lembranças mais marcantes desse período?
Eu entrei com 18 anos na Prefeitura Municipal de Campo Grande. Ali eu trabalhei 32 anos, comecei lá de baixo, em início de carreira e para minha satisfação me aposentei como Secretária de Finanças do Município. Fiz uma carreira bastante trabalhosa, difícil, despendi muito das minhas energias, dos meus conhecimentos, mas não me arrependo. Se tivesse que fazer tudo novamente, eu faria com satisfação porque me deu muita segurança.

 P. A senhora foi Conselheira Efetiva do CRC/MS – Conselho Regional de Contabilidade do Mato Grosso do Sul por 15 anos, de 1986 a 2001, o que marcou esse período?
O que marcou foi a fase de implantação do nosso Conselho Regional porque foi uma luta muito grande. Nós éramos um grupo, que era constituído pelo Wilson Marques, o Solindo e o Luciano e nós fazíamos reuniões, nessa época eu lecionava na FUCMAT, hoje, UCDB, no Curso de Ciências Contábeis, a gente se organizou, e, então, quando surgiu a notícia da divisão do Estado, nós começamos a trabalhar já com o fito de, para quando acontecesse a divisão legalmente, a gente instalar o Conselho Regional de Contabilidade aqui.

Mas, infelizmente nós fomos o último Conselho a ser instalado porque houve um problema sério porque Cuiabá não queria se desvencilhar da estrutura nossa aqui, porque o sul sempre foi uma região que ajudou muito o norte, hoje não, porque hoje o norte está com a sua situação financeira definida e avançou bastante e isso deixa a gente satisfeita e feliz, mas naquela época, o sul é que aguentava com toda despesa do norte que era pouco desenvolvido. Então, eles achavam que com a criação do Conselho de MS eles iam perder esse filão e diziam que nós não seríamos autossuficientes.

E isso convenceu uma parte lá do Conselho Federal de Contabilidade e houve, assim, um atraso muito grande para nós conseguirmos trazer o Conselho Regional de Contabilidade para o sul e aqui instalá-lo. Esse grupo lutou muito para que isso acontecesse. Felizmente, hoje, nós estamos vendo o Conselho aqui, bem estruturado, um Conselho pequeno mas que serve até de exemplo para os demais Conselhos do Brasil, porque, modéstia a parte, o Conselho de Mato Grosso do Sul é muito bem organizado e muito bem administrado.

P. A senhora representou o Estado de Mato Grosso do Sul no Conselho Federal de Contabilidade, de 2006 a 2008, como Conselheira Efetiva Quais as maiores recordações dessa época?
Para mim foi a maior surpresa da minha vida eu ter sido Conselheira do CFC. Quando o Dorgival, meu grande amigo, meu ex-aluno e o Luiz Henrique foram a minha casa e me disseram que eu havia sido indicada pelo Conselho Federal de Contabilidade para ser Conselheira, representando o Estado de Mato Grosso do Sul naquela entidade fiquei pensativa porque seria uma responsabilidade muito grande e eu nunca tinha operado em nada do Conselho Federal de Contabilidade, sempre operei aqui em Campo Grande, aqui no Estado de Mato Grosso do Sul, mas em Brasília eu tinha poucos contatos. Então, eu fui, e quando eu cheguei lá, primeiro sondei como era o ambiente, o que é que eu tinha que fazer e, posteriormente, me dediquei a participar, porque primeiro a gente tem que ouvir para depois participar.

P. A senhora já possuiu escritório de contabilidade alguma vez?
Não. Sempre fui funcionária pública, na área contábil. Desde que eu entrei no serviço público, sempre na área contábil, mexendo com parte financeira, parte orçamentária porque antigamente não tinha essa separação de parte de planejamento e parte de finanças, era tudo misturado.

P.Como é que surgiu esse amor pela Contabilidade? O que fez a senhora escolher o Curso de Contabilidade?
É até muito interessante. O meu pai era militar, Sargento do Exército, e depois resolveu pedir baixa. Ele tinha um espírito aventureiro, era uma pessoa que estava à frente no tempo. Tinha um armazém em Bela Vista e uma frota de caminhões, estava muito bem situado financeiramente e toda semana, o Guarda-Livros, (naquele tempo não tinha Contador, tinha Guarda-Livros) ia ao armazém do meu pai para analisar os livros, para fazer os lançamentos.

Quando ele chegava (ele se chamava Décio) eu encostava em pé do lado dele e ficava olhando-o manusear os livros, registrar os números, aquilo me atraía. E o meu pai um dia perguntou para mim: Minha filha, quando você crescer que é que você quer ser? Eu falei para ele: Quero ser Guarda-Livros. E sabe que eu fui Guarda-Livros? Eu recebi minha primeira carteirinha do registro que eu fiz no Conselho Regional de Cuiabá, quando o Estado era uno e saiu “Guarda-Livros”, depois que foi transformado em Técnico em Contabilidade. Inteirei-me da contabilidade da área empresarial, da área privada mas principalmente da área pública, porque eu gosto da contabilidade em geral, mas não tenho assim muito entusiasmo, o meu fraco é a Contabilidade Pública.

 P. A senhora está sempre ativa. Sempre participando de eventos na área contábil. Qual o segredo da sua jovialidade e disposição?
Acho que é o trabalho. Creio que quando a gente trabalha com vontade, com aquela disposição, com aquela responsabilidade, isso ajuda muito o intelecto. E, eu sempre fui uma pessoa assim, eu não tinha hora, não tinha dia, quando precisavam de mim estava pronta para atender. Quantas vezes em época de semana santa, carnaval, eu ficava dentro da repartição trabalhando porque não havia a parte de informática, então era tudo manual. Quando eu comecei a trabalhar não existia máquina de somar só máquina de escrever. Depois é que veio aquela máquina que fazia as 04 operações e, posteriormente, as máquinas que faziam porcentagem e cálculos mais avançados. Então, eu tive a felicidade de crescer junto com a evolução do mundo. Acho que isso aí me ajudou muito.

Quando o Estado foi dividido, eu tinha 32 anos na Prefeitura e era Secretária de Finanças do Município, quando recebi o convite para ser a 1ª Diretora Geral de Contabilidade do novo Estado. Era prefeito na época o Dr. Marcelo Miranda que me liberou do compromisso que tinha com ele para que eu pudesse aceitar o convite.

P. A senhora atuou politicamente. Como a senhora vê, hoje, a participação do Profissional Contábil na política? É importante?
Eu acho importantíssima, tanto é que estão valorizando nossa profissão. Chegou a hora do Contador. Porque o Contador era relegado a segundo plano não é? Ele trabalhava, trabalhava, trabalhava e não aparecia nada do que ele fazia, quer dizer, o mérito ia para outros setores. E eu acho que a Contabilidade é, acho não, tenho certeza que a Contabilidade é fundamental, principalmente, na atual situação em que nós nos encontramos, porque o Brasil está passando por uma situação muito difícil. Mas ainda tem gente corajosa, que está vasculhando a Contabilidade para provar o que está acontecendo.

P. D. Doracy, a senhora sempre trabalhou muito. Como a senhora fazia para conciliar as coisas? Dona de casa, esposa, mãe e funcionária. Como a senhora fazia?
Eu tive altos e baixos na minha vida. Quando tinha 11 anos fui enviada para Campinas para fazer o Exame de Admissão e lá, eu fiquei interna lá no Colégio, estudei 01 ano. Nesse intervalo, meu pai teve um insucesso econômico-financeiro na vida dele, mudou-se aqui para Campo Grande, perdeu tudo que tinha, ficou doente e eu tive que trabalhar. Eu saí de um status de vida financeiramente econômica lá no alto para um estágio, assim, de uma situação difícil, economicamente falando. Mas, eu não me frustei e nem fiquei com complexo de inferioridade. Eu sempre fui assim, acho que fui uma guerreira pois quando tinha um insucesso na minha vida eu enfrentava de cabeça erguida.

Quando eu e meu marido começamos o nosso romance, eu tinha 14 anos e ele tinha 15. Foram 10 anos de namoro e de noivado até sair o casamento e eu era arrimo de família, sempre trabalhei, entrei na Prefeitura com 18 anos e, antes eu trabalhava num escritório de advocacia (quando eu comecei a trabalhar eu tinha 15 anos). E naquela tempo era uma discriminação tremenda, mulher que casasse largava o emprego porque mulher casada não podia trabalhar fora. Então, quando nós fomos oficializar o nosso noivado para me casar com ele, eu falei, olha, Geraldo, eu só caso com você, seu eu continuar trabalhando. Se não continuar eu não posso me casar com você, porque eu tenho compromisso com a minha família e eu não vou abrir mão disso. E ele concordou. Mas no trabalho o pessoal ficava comentando e às vezes ele chegava em casa chateado e às vezes queria que eu parasse de trabalhar. E eu dizia, não vou parar de trabalhar, você lembra o nosso pacto?

Assim eu fui vencendo etapas, trabalhava o dia inteiro, não tinha hora, almoçava na cada da minha mãe ou na casa da minha sogra. Eu tinha somente um filho, acho que por isso é que eu fiquei só com um filho, porque eu não queria constituir família grande por não poder dar o suporte, aquela assistência que eu julgava necessária. Mas, Deus foi tão bom comigo que eu venci. Quer dizer, eu trabalhava bastante fora mas dava conta do recado em casa, também. Eu trabalhava de madrugada, de noite em casa, eu me virava. Então a minha vida foi de muito trabalho. Mas eu venci.

P. Um fato importante que a senhora gostaria de relatar que nós não tenhamos abordado?
Eu tenho muito que agradecer: primeiro a Deus e depois aos meus amigos porque sou rica de amizades, principalmente, na área contábil. Há um reconhecimento muito grande dos meus colegas. Por isso, digamos, eu tenho um compromisso com a classe, por causa desse tratamento que recebo dos meus colegas. Então, eu digo… em abril de 2016 eu vou fazer 87 anos e graças a Deus estou lúcida, faço tudo que eu tenho que fazer.

P. A senhora ainda está trabalhando?
Eu trabalho para o Conselho Federal de Contabilidade faço parte de uma Comissão no Ministério da Saúde, que é um sistema desenvolvido por eles que tem a sigla de “SIOPS – Sistema de Informatização Orçamentária sobre Orçamento Público”, onde a gente analisa as contas dos municípios, estados e da união com relação a aplicação dos recursos constitucionais na área de saúde. Faço parte desse colegiado representando o Conselho Federal de Contabilidade. Fui para ficar uns 03 anos e estou lá trabalhando há 10 anos.

 P. Para encerrarmos qual a mensagem que gostaria de deixar para os Profissionais da Contabilidade Sul-Mato-Grossenses?
Que não esmoreçam no seu tempo, que façam tudo com lisura, que sejam pessoas de credibilidade, que não se deixem vencer por utopias de promessas vãs. E quero deixar aqui, principalmente, para os acadêmicos de contabilidade que é uma profissão que eu refuto do futuro, que hoje está sendo muito bem reconhecida e eu acho que chegou a vez dos Contadores. Então, que façam esse curso com vontade de vencer, de crescer, porque eu fiz numa época tão difícil e cresci, e agora são maiores as chances de eles crescerem. Que eles façam isso com dignidade, com responsabilidade e com honestidade.

 

Muito obrigada pela entrevista. CRC/MS agradece sua participação.